Um programa de luta contra a iliteracia mediática, manipulação jornalística e desinformação

Quando a Imprensa alimentava guerras

Júlio Roldão *

Uns anos antes de René Magritte ter pintado um cachimbo que afinal não é um cachimbo, 31 anos antes, ou seja, em 1898, William Randolph Hearst, dono do The New York Journal, fazia história no jornalismo, pelos piores motivos, ao tornar-se responsável pela guerra hispano-americana travada nesse ano em Cuba.

Hearst disputava audiências jornalísticas com Joseph Pulitzer, dono do The New York World e futuro inspirador de um dos mais famosos prémios do jornalismo norte-americano, quando enviou para Cuba uma equipa de reportagem esperançado em conseguir manchetes que justificassem a entrada dos Estados Unidos nos conflitos cubanos e lhe dessem maior audiência.

Os enviados de Hearst foram Richard Harding Davis e Frederic Remington, este último ilustrador. Pouco tempo depois de terem chegado à ilha de Cuba, Remington enviou um telegrama a Hearst a dizer que estava tudo calmo e que não haveria guerra e a sugerir o regresso a Nova Iorque.

Ao que se diz, Hearst terá respondido que cabia ao ilustrador fornecer imagens, para que ele próprio, Hearst, fornecesse a guerra.

Esta confissão, sempre negada por Hearst, foi citada por Orson Welles, em 1941, no filme Citizen Kane (O Mundo a Seus Pés) e é, a ser verdadeira, a mais famosa confissão de uma despudorada prática de desinformação de consequências gravíssimas. Hearst incentivava o início da guerra hispano-americana em Cuba para vender mais jornais em Nova Iorque.

Este conflito bélico é um marco na história da propaganda e o início do hoje chamado jornalismo amarelo, também conhecido pelo nome de jornalismo sensacionalista dos tablóides, numa referência ao tamanho do papel em que são impressos os jornais. A desinformação ou as chamadas “fake news” é um mal que já vem de longe e que tem vindo a refinar-se com as novas tecnologias de informação.

Este fenómeno justifica o actual programa de promoção da literacia mediática que está a ser desenvolvido pela Associação Portuguesa de Imprensa (API) na Academia MediaVeritas, programa de cidadania activa em que estou envolvido também em nome da recuperação da credibilidade do exercício do jornalismo.

  • Júlio Roldão, jornalista desde 1977, nasceu no Porto em 1953, estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes e pelo Círculo de Artes Plásticas, tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.