Um programa de luta contra a iliteracia mediática, manipulação jornalística e desinformação

As mentiras impiedosas

Por Júlio Roldão*

 

 

A visível escalada da desinformação é, agora, directamente proporcional à da guerra depois de ter sido proporcional à da pandemia. Na visível desinformação recorrente em curso (DREC), o epicentro deslocou-se da Covid’19 para a Guerra na Ucránia, sendo servida pelos mesmos especialistas.

Os negacionistas da pandemia, aqueles que, por exemplo, diabolizavam as vacinas contra o coronavírus SARS-CoV-2 dizendo que a doença não existia e tinha sido inventada, dedicam-se agora a negar a existência da guerra e a difundir desinformações que transformam batalhas em cenários teatrais.

Longe vai o tempo das mentiras piedosas, pequenas recriações da verdade efabuladas para poupar humilhação a terceiros, evitar medos traumatizantes, por exemplo em crianças, ou adiar decisões difíceis – hoje, a regra, é a das mentiras impiedosas pensadas com rigor científico milimétrico.

A desinformação sempre esteve ligada à guerra e tem séculos de existência e de experiência. Aliciando, chocando, disseminando terror. A guerra psicológica utiliza os meios disponíveis à data da respectiva utilização – distribui panfletos, instala estações de rádio de propaganda, muda o nome das cidades ocupadas…

Das emissões de rádio em ondas curtas, onde verdades e mentiras se cruzavam, à Internet, a propaganda sempre combateu a informação livre alardeando ser a única detentora da verdade ­– “a verdade é só uma, Rádio Moscovo não fala verdade” proclamava o Serviço Nacional de Informação (SNI) do Estado Novo nas antenas da velha Emissora Nacional ao serviço de Salazar.

Ironicamente, parece ser hoje verdade, mais de meio século passado, que Rádio Moscovo não fala verdade, pelo menos quando diz que a Guerra na Ucránia não é uma guerra mas apenas uma missão militar especial. Para não falar em informações e contra informações que se cruzam nas legendas contraditórias de imagens repletas de cadáveres que nos chegam pelos vídeos dos telejornais e pelas fotografias dos jornais.

Essas verdades ou essas mentiras são agora impiedosas. E instalam dúvidas. A instalação da dúvida é, aliás, o grande objetivo da desinformação. Quando a dúvida ganha terreno, a verdade perde e a mentira ocupa algum espaço vital. Esta guerra é também devastadora e deve ser combatida com urgência.

 

Júlio Roldão, jornalista desde 1977, nasceu no Porto em 1953, estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes e pelo Círculo de Artes Plásticas, tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

*Jornalista desde 1977